sábado, 4 de outubro de 2014

Morando na filosofia & coisetal

Havia seus olhos, Vitória, sobretudo.

(Deixem eu me explicar.)

Preciso acender um cigarro, preciso me livrar desse pigarro, e alguém me alcance uma Germana, por favor. Era noite (sempre é noite quando Vitória surge, né?) e dessa vez ela surgiu sem aviso, quero dizer, não surgiu literalmente porque Vitória nasceu há vinte e dois ou vinte e três anos, não sei ao certo, mas isso dela ter nascido em Bento Gonçalves há coisa de duas décadas e poucas eu sei.

Havia o mundo ao redor de seus olhos, mas era tudo tão opaco e quanto mais distante, menos interessante, eu me prendia a olhar suas pupilas em tons furtivamente castanhos e as íris dentro delas, tão redondas e escuras.

Elementar, Vitória não era apenas um par de olhos que circulava na cidade assustando as pessoas que jamais imaginariam que dois olhos, por mais bonitos que fossem, pudessem flanar pelas ruas descolados de Vitória. Mas estou me explicando demais e bebendo contando de menos.

Era noite pois, noite avançada, madrugada a ponto de nós, eu e mais cinco caras, todos embriagados, sujos, sorridentes termos desistido de beber cerveja e saído do bar à cata de uma birosca honesta onde houvesse uma chapa e um xis à nossa espera. Tão adiantada já estava a noite que tais locais já se movimentavam no sentido encerrar seus expedientes, desligar seus fornos e grelhas, descansar seus funcionários e contar a féria do dia, um sábado. Num desses demos as caras e ao negociar com a moça na porta que me explicava o adiantado da hora e o encerramento das atividades eu percebi Vitória, sentada, sorrindo, um xis em mãos, o resto do mundo a seus pés, ainda que dali eu só tenha visto seu rosto mesmo, mais nada.

"Moça, vou lhe dar a decisão", enunciei poeta e caetano para a funcionária, "botei na peneira e você não passou."

A moça riu. Riu de mim. Acho que ela não entendeu o que eu quis dizer.

"Pra que rimar amor e dor?" emendei, mas ela apenas negaceou com a cabeça e nos indicou que havia uma outra lancheria aberta a meia quadra dali, só atravessar a rua.

Ah, miséria.

Vitória ficou lá dentro e nós caminhamos aqui fora para a outra lanchonete porque poesia é bom mas um xis quatro queijos enche a barriga feito poucas coisas mais. Rimos em conjunto e até tivemos a desfaçatez de pedir uma derradeira cerveja junto de nossos lanches de final de jornada.

Sem Vitória, sorri ali da minha falta de graça e da noite que logo ia virar dia, deveria estar esperando sua Vitória caminhar para casa, os gastos sapatos baixos de Vitória e seus caminhos que me desencontram. Mordisquei meu sanduíche desejando que cada naco pudesse se transmutar nas ancas, nas bochechas, na nuca escondida pelos cabelos de Vitória. A ideia de Vitória em mãos pedindo por mordidas e sorrindo com todos os seus dentes, me oferecendo a coxa, levantando a blusa e apontando o umbigo. Caminhando feito gueixa e resvalando um ombro nu ao alcance de meu nariz.

Ela não estava ali, pois. O corpo dela não ficava marcado de lábios e mãos carinhosas. Eu jamais saberia, ora vai mulher, a quantos você pertencia.

Nenhum comentário: