sexta-feira, 20 de junho de 2014

Uma ligação a cobrar

O que era uma manhã de sono foi interrompida pelo barulho do meu celular que apitava na mesinha de cabeceira. Despertei mais pelo cacoete tecnológico de sempre achar que o mundo me chamava pra participar dele ao toque do aparelho, apesar de ser um dia de folga, sem compromissos marcados. O corpo teve o reflexo de alcançar o aparelho, os olhos se abriram e vi que o número me era familiar. Atendi a chamada.

Primeiro apareceu o aviso de que era uma ligação a cobrar, eu deveria permanecer na linha se quisesse aceitar a chamada. O número era familiar demais, eu sabia disso, só não lembrava o quanto. Aceitei a chamada. Então veio a voz dela, rouca, trêmula, linda, um som de anos passados.

"Oi, gato." "Oi", respondi, ainda não totalmente consciente. "É Esmê, lembra?" Sim, eu lembrava, e agora que saía de verdade do torpor, como lembrava. Esmeralda, Esmê nos tempos de namoro, quando os dois ainda éramos muito jovens para a vida adulta, para morar sozinho e ter as certezas todas, para cometer as cagadas da juventude com a arrogância dos adultos, claro que me lembrava de Esmê, de sua pele preta, do cabelo crespo de orgulho, dos colares e brincos e batons. Pois lembrava. 

"Lembra...?" Ela repetiu a pergunta e na repetição, comecei a ouvir o entorno daquela chamada e havia alguma coisa a mais, a respiração pesada e a fala meio entorpecida. "Lembro... tudo bem? Quanto tempo." Muito tempo, eu me dava conta, cinco anos ou seis. A gente havia se esbarrado numa dessas redes sociais e retomado contato havia coisa de meses, nada demais. Trocamos telefone numa dessas conversas mais por gentileza do que realmente intenção, naquelas de vamos-marcar-uma-cerveja-qualquer-dia-desses sem maiores convicções, éramos ambos um passado do outro e nada mais do que isso. Porém.

"Aconteceu alguma coisa?" Eu tentava me situar naquela ligação, afinal. "Me escuta, não precisa falar nada, mas me escuta." A ficha foi caindo para mim. Eu reconhecia aquele tom da voz de Esmeralda, aquela respiração, aquela iminência de algo porque Esmeralda estava trepando. "Ai, me escuta." A segunda súplica me despertou em definitivo. Após essa segunda súplica então se seguiu alguns pequenos guinchos, a respiração que virava chiado, ela pediu que seu parceiro, seja lá quem fosse, não parasse, não parasse, ela repetia e trepava maravilhosamente. Despertou inclusive a possibilidade que eu julgava morta de Esmeralda novamente.

"Eu queria te falar, sabe" - Esmeralda voltou a falar comigo - "que eu sinto saudades e às vezes sinto até tesão, vontade de dar pra você de novo, de chupar teu pau" - aquilo era surreal demais e eu começava a ficar assustado inclusive, mas não queria desligar mesmo - "só que eu não consigo, ai, isso" - surrealismo e pornografia e o passado se uniram naquele gemido - "e pensando assim, eu acho mesmo que eu não quero, ai, devagar agora, devagar assim". Eu fiz menção de falar e ela me censurou. "Não, não fala, me escuta, me escuta. Eu quis te ligar assim, sabe, eu quis na verdade foder muito bem pra te ligar e te mostrar como era gostoso porque eu sinto saudades mas porque você também era um escroto. Você me comia tão bem e mesmo assim era um escroto, eu só quero que você saiba que eu não vou esquecer mas se quiser você pode ouvir agora o resto, porque isso tá me dando um tesão do caralho".

Emudeci. Emasculei. Do outro lado da linha, Esmeralda pedia enfim mais força, a voz saía do controle, a respiração faltava, já dava pra ouvir também o cara que ela comia. Lembrei então do pé na bunda que havia dado covardemente por e-mail, de ignorar os telefonemas e e-mails dela pedindo uma explicação, do que eu havia sido porque eu acreditava que agora era então outro, e, na verdade, fazia mais força para acreditar do que para me comportar melhor. Quase não consegui me dar conta que Esmeralda falava comigo ao telefone. 

"Me escuta, me escuta agora."