terça-feira, 10 de junho de 2014

O que não era pra ser

A ironia que emoldurava aquele quarto recheado de silêncio e obscuro de rancor é que no início de tudo, antes mesmo de nós dois, houve um acordo tácito de que não era amor o que nos juntava - muitas vezes, naquele mesmo cômodo. Era outra coisa, só nossa, bastante íntima, que não chamávamos de nada ou chamávamos de 'nós'.

Nós nos sorríamos e nos sorríamos aos beijos quiçá. Os verbos e todos aqueles predicados eram barrados na porta porque estávamos ali para fugir das juras, das cobranças, das mentiras e dos poréns. Não havia tempo para duvidarmos - mal havia tempo.

Havia silêncios que nenhum de nós precisava romper porque o que os músculos não eram hábeis de demonstrar os nossos olhos compreendiam nas paredes, nas sombras, nos reflexos. Éramos dois e nos bastávamos enquanto assim fôssemos. Longe dali eu sei que era outro, era um cara cheio de problemas e palavras, e a maioria delas servia apenas de estandarte.

Longe dali eu pensava em voltar ao estado em que todas aquelas palavras e nove horas perdiam a razão diante de qualquer mamilo descoberto ante meus olhos cansados, dela soltando os cabelos presos num coque, de seus pés descalçando sandálias. Levei algum tempo mas o meu corpo não cansava de emitir sinais: naquele quarto, e em qualquer outro local que nos servisse de quarto, ele finalmente vivia e então a lombar parava de doer, o músculo do coração bombeava sangue para rincões inóspitos do meu organismo e a mente funcionava com clarividência digna de camisa 10 argentinos dos anos 80.

Longe dali eu não era. Longe dela eu apenas fingia, cada vez com menos convicção. Aquilo começou a me perturbar onde não deveria, quando eu estava com ela e tudo estava bem. Então quando eu procurava as palavras para tentar me explicar ou remediar as coisas que me distraíam, mas tais palavras eu não encontrava ou o tom da voz ou a certeza do olhar ou a coragem de dizer. O que tinha começado em nós ia se desfazendo a olhos vistos e vozes emudecidas.

Chegou o dia em que estar diante dela não me deu mais a vontade de sorrir e mergulhar naquele infinito que nos cercava, estar diante dela era apenas mais uma dessas coisas com as quais eu não sabia muito bem lidar, até onde iria, eu nem sabia mais exatamente o que deveria fazer. Foi quando eu pensei ter entendido, finalmente, o que éramos nós dois.

Só que já era o que não era pra ser.

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