sábado, 7 de junho de 2014

Chapadíssimas

As palavras que escorrem de meus dedos tropeçam no teclado e aqui se acabam, coitadas, nesta madrugada fria e solitária. Elas só terão a mim e eu a elas por hoje e nenhum de nós nos bastamos, o que é o inferno da situação e a razão por eu lamentar o vinho chileno ser tão pouco apesar de uma completa garrafa e de boa cepa.

Mais fria e solitária que a madrugada lá fora, somente esta tela em branco que aos poucos vou decorando de caracteres, fonte Georgia, mas de nenhum sentido além do vazio - este vazio de gente, de amor e de motivos para beber, para escrever ou para estar lá fora sentindo frio e sorrindo besta, porque é feliz quem sorri à toa ou sorri apenas, sem entender, mas sacando tudo.

Sigo escrevendo feito o idiota que sou, entretanto e isso deve bastar até o ponto final. Por que não haveria de bastar? Esta é a pergunta que pode pôr tudo a ruir e ninguém deseja de verdade cometer, nem eu, mas mesmo assim faço e não respondo, me faço de surdo, de maluco, de bêbado. De todo modo, eu não seria capaz de responder. Eu só quero mesmo fechar os olhos e esperar mais uma vez Dylan atingir com a gaita aquela nota que nunca mais foi possível enquanto uma plateia de ingleses mal se permite respirar.

Quantas chances de fazer parte de algo real literalmente passam diante de nós e a gente apenas não consegue se dar conta. Ou se dá conta mas resolve pular fora porque a vida é tão mais fácil quando a gente só precisa enganar um pouco, acordar, dormir, fazer compras, cortar o cabelo e obedecer o que nos convém. Ao final nada vai fazer diferença, um dia a mais, outro a menos, ninguém vai notar. Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo como estava antes. Quero dizer, tanto faz, ninguém realmente vai parar e buscar por alguma diferença - é como se tudo continuasse como sempre foi mesmo que nunca tenha sido.

Preciso somente deste teclado e do restolho de vinho ao qual me apego do lado das restantes horas do breu desta madrugada para me sentir parte do mundo, este mundo vasto e que dificilmente conseguirei caracterizar a essa altura do campeonato sem me valer de clichês e figuras batidas et caterva. Basta saber que ele me contém e que aqui, diante das palavras, me sinto tão senhor dele quanto possível e daí por diante não preciso ficar pensando demais, tudo acontece como deveria e eu apenas obedeço a mim mesmo, a minhas mãos, a este reflexo adquirido da escrita e dos pensamentos que teimam em resultar em vã pornografia.

Escrevo as palavras que não disse e as mulheres que jamais vivi, e são tantas essas mulheres que por vezes o corpo não dorme direito e a respiração falta, acordo engasgando de madrugada e não é refluxo, é mulher, essa desgraça do homem, o corpo da mulher, o desejo da mulher, a cor da pele, o escuro da voz. As palavras tentam exorcizar e obviamente fracassam, porque eternizam meus demônios e quando me dou por conta cá estou, bêbado, teclando e visualizando todas em fileiras, em flashes, todas lindas e inatingíveis à sua maneira. Todas minhas, ainda que nenhuma.

Todas minhas, as palavras, ainda que vossas.

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