sábado, 24 de maio de 2014

Uma gravata tão bonita

Juliana apareceu no bar quando já estávamos pela décima cerveja, eu e um grupo de mais seis. Eu já considerava a ideia de voltar pro hotel e dormir a maior parte do sábado antes de voltar para o aeroporto e embarcar de volta para casa quando ela chegou. Estava acompanhada de mais duas amigas e sentaram próximas a nós. Juliana havia sido minha namorada há vários anos passados noutra cidade, noutra estação e éramos ambos tão juvenis naqueles dias. Pedi outra cerveja.

No tempo de Juliana eu usava bem menos ternos e me dava ao luxo de fumar no café da manhã porque achava que compunha uma bonita figura - eu constantemente me via num filme em preto e branco nessas horas. Eu roubava beijos ousados e acordava em locais nunca antes visitados com uma frequência que meus pais jamais desconfiaram. E no entanto foi preciso que Juliana me arrastasse pelo braço até os fundos da boate naquela noite em que tudo começou.

Enquanto meus amigos de mesa continuavam bebendo em voz alta, Juliana me ocupava longe daquela mesa, ainda que nós estivéssemos a poucos metros um do outro. Dava pra ver de onde eu estava que ela continuava tão bonita quanto na última vez, que calhou de ser a primeira vez onde chegamos aos finalmentes após uma noite de muitos desencontros e desenganos mútuos. Lembro dela quase arrancando um pedaço da minha orelha esquerda com os dentes e do meu orgulho de macho por ela estar fora de si. O cabelo estava um pouco mais curto e a armação dos óculos mais adulta agora. Ela sorria, contudo, e sorria tão pura, tão brilhante dentro do escuro dos olhos, tão leve dentro de cada garrafa que se despejava nos copos que eu poderia jurar que cada um daqueles goles continham uma sedução ensaiada por anos e que enfim era posta a meus sentidos.

Pensei num par de vezes em procurar cruzar com seu olhar e aguardar para ver se ela me reconhecia homem feito, levemente de porre, oito anos passados. Ela iria sorrir de volta ou apenas se dar conta do acaso e comentar com as amigas para saírem dali o mais rápido possível? Do que iria lembrar? De amanhecer comigo na calçada do ponto do meu ônibus que não circulava de madrugada? De me enviar um email com uma foto onde vestia a calcinha que usava na noite em que me conheceu? Ela não deu sinais de me reconhecer ou de que minha presença tinha sido notada, acabei desencanando e voltei aos meus amigos barulhentos.

A noite já havia terminado e eu estava diante do caixa para pagar minha comanda, sonhando com a cama do hotel, quando Juliana se aproximou enfim apenas para deixar essas palavras escorrerem para a mesma orelha esquerda que sua boca um dia quase havia mastigado: "ESSA GRAVATA É TÃO BONITA QUE QUERO ELA NO TEU PESCOÇO NA HORA DE ME CHUPAR A BUCETA". Sorri marotamente para a moça do caixa e tentei disfarçar o fato de que um vagalhão erótico havia me atingido ali mesmo. Assinei a fatura do cartão e me despedi dos amigos com os olhos inquietos, Juliana estava fumando um cigarro sem pressa já na calçada, jogou a bituca fora e sorriu inteira quando finalmente caminhei na sua direção.

Teríamos poucas horas e mesmo essas poucas, não seriam de todo nossas, que ela era agora uma mulher casada e mãe, precisava estar em casa antes da filha acordar de manhã - de manhã bem cedo, a despeito do sábado. Eu estaria novamente dentro de um avião ao anoitecer do dia seguinte.

Tanto tempo que possuíamos então e tudo era tão pouco, quando jovens. Ela me beijou e me fodeu naquela madrugada como se não houvessem existido os últimos oito anos. Mas eles existiram e estavam ali, em cada respiração que compartilhávamos. Eu nunca mais fui tão jovem desde então.

Nenhum comentário: