O cigarro queimava em meus dedos e eu caminhava em direção
ao mar, a despeito do dia nublado. Terça-feira, 2 de janeiro, 6 e dez da manhã,
Copacabana, posto seis. Não estava chovendo e não estava calor. Descalço, eu
usava os mesmos jeans encardidos desde a véspera do ano que chegava ao seu
segundo amanhecer e a mesma camiseta branca, inclusive, manchada de suor e
cerveja e espumante. Eu deveria simplesmente voltar para casa, tomar banho,
descansar. Em uma semana eu estaria embarcando rumo a uma temporada de três
anos ou mais em Madri, Lisboa e Porto, respectivamente, a trabalho.
Diminuí a passada ao sentir a areia ficando mais úmida e
densa com a proximidade do mar. Traguei longamente duas baforadas naquele
cigarro meio amassado. Apesar das ondas, tudo ali naquelas águas salgadas
parecia tão calmo e tão limpo – mesmo com algumas latinhas flutuando e o
rosário de flores ofertadas a Iemanjá ainda marcando as bordas na areia. Uma
onda mais decidida conseguiu molhar meus dedões, o mar estava gelado. Foi
quando tirei o pinto de dentro da calça e urinei ali mesmo – fora para isso, na
verdade, a caminhada até ali.
Sentada num dos degraus de uma escada que comunicava o
calçadão à areia, estava uma sorumbática Clara. Vestia preto (calças, blusa e
moletom) e havaianas. Tinha os cabelos cacheados soltos e segurava numa das
mãos o meu par de tênis. Aguardava em silêncio o amanhecer e enquanto isso, que
eu fosse até a beira da praia contribuir com a fama de falta de modos e
desapego moral de Copacabana. O que ela aguardava de verdade, eu bem sabia, era
uma resposta minha para uma pergunta que ela anunciava de tempos em tempos
entre as risadas e confabulações a dois durante as várias horas que dividimos
desde a noite de 31 de dezembro: “você sabe que se eu me apaixonar por você eu
estarei fodida, né?”
Eu sabia? Não, não sabia. Calava a minha resposta e logo
outro assunto aparecia, outro bar, vamos ali fora fumar?
Éramos cerca de doze na virada de ano e agora, somente nós
dois. Acordamos juntos pelo meio da tarde do dia primeiro no chão da sala do apartamento dela
na Francisco Sá e foi quando me dei conta de que Clara havia dormido dentro do
meu abraço, agarrada em mim. Acordei e fiquei parado, como se um movimento que
a acordasse fosse destruir tudo aquilo. Só que eu precisava desesperadamente de
um gole de água, de um grande gole, na verdade. Quando retornei da cozinha
levemente saciado, ela estava sentada, pernas cruzadas e pareceu demorar demais
a entender o que fazia ali no chão e o que aquele homem fazia ali de pé. Dali
saímos de volta para a rua, para um almoço e este almoço se transformou numa
cerveja, em duas, neste infinito que durava até a beira da praia, os dois
novamente encharcados de álcool e dúvidas e, entre cada palavra e cada
silêncio, o desejo.
Esvaziei a bexiga e fiquei ainda uns segundos ali sem ação,
o pau pra fora insolente e vazio, meus olhos hipnotizados pelas águas e o
cigarro nos lábios quase no fim. Me recompuz e caminhei de volta, sob os olhos
de moça de Clara que esboçava um sorriso indefinido, porém constante. Sentei ao
seu lado e calcei os tênis de volta. Aquela noite parecia ter enfim terminado e eu
iria entrar no primeiro táxi para pedir que ele me deixasse no Méier, onde eu
tomaria um banho e dormiria, dormiria por uns dois dias, dentro da minha
ressaca pessoal. Então Clara me pediu para ficar. “Fica comigo por enquanto”,
ela pediu. “Fica comigo só hoje, dorme comigo outra vez e depois você vai
embora. Eu aguento, já aprendi a me foder.”
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