Adele saiu de Fontainebleau, nos arredores de Paris, para me
interpelar nas calçadas do Flamengo naquela tarde recheada de verão durante um
fevereiro particularmente quente. Tinha os olhos verde-cinzentos acesos por um
sorriso e a pergunta na ponta da língua – onde ficava o bar do Augusto? Grande
Augusto! Sua cerveja levemente morna e suas cadeiras de plástico estavam
fazendo sucesso.
Eu respondi que estávamos perto do local e que eu poderia
fazer companhia a ela, inclusive me dispondo a pagar a primeira cerveja, quiçá
uma porção de bolinhos de bacalhau. Disse isso e arrisquei aquele que julguei
ser o melhor sorriso de cara-de-pau que eu poderia cultivar, para que aquela
mulher se convencesse de que aquele desconhecido vestindo terno e suando em
bicas por conta disso não era alguma espécie de golpista – é certo que todos os
guias de viagem que Adele possa ter consultado a respeito da cidade devem tê-la
advertido com exclamações a respeito dos perigos da malandra população da
Guanabara e seus trambiques.
Por alguma razão não muito razoável, decerto, ela sorriu e
aceitou o convite e a companhia. Caminhamos por um quarteirão e meio e logo
chegamos ao Augusto, que estava um tanto quanto abarrotado de gente. Começamos
a beber em pé no aguardo de uma mesa e foi quando Adele finalmente me perguntou
o motivo de eu estar naqueles trajes inumanos para o calor que fazia. Ossos do
ofício, eu respondi – e ela, gringa, não entendeu. Assim a conversa foi se
desenvolvendo, entre goles e petiscos e explicações minhas para certas
expressões e costumes. Adele sorria bastante e era algo bonito de ver.
No final de semana seguinte, ela ligou cedo para meu
celular. Eu havia combinado de leva-la à praia e depois disso, ao subúrbio,
iríamos à Madureira para ela ver de perto como a cidade era diferente longe dos
cartões postais e nem por isso menos interessante ou colorida. Adele também
seria apresentada oficialmente a um outro tipo de calor, porque o calor do
subúrbio não é o calor da beira-mar e das coberturas no Leblon – numa delas,
ela encontrava-se instalada, na casa de uma amiga.
E assim acabei por me tornar uma espécie de guia para aquela
estrangeira caminhar pela cidade e poder descobrir as histórias que havia em
suas ruas, esquinas, bares, crianças e catedrais. Logo eu, que estava há dois
meses procurando emprego e lugar para morar fora do Rio do Janeiro porque então
mal tolerava o trânsito, aquele sol que nos trouxe Adele, o carnaval que ela
não aguentava mais esperar pra ver, o jeito das pessoas pelas quais ela se apaixonava.
Água de coco. Feijoada no almoço. Trem na Central. Maracanã.
Avenida Rio Branco. Fui através daquela mulher redescobrindo os cantos da
cidade onde eu havia nascido e que começavam a sorrir para mim como se eu
também os estivesse experimentando feito um novo sabor de picolé. Escadaria da
Lapa. Forte de Copacabana. Rodas de samba. Cordão do Boitatá. Cacique de Ramos.
Após a primeira semana, era eu quem ligava para Adele com a programação da
tarde seguinte pronta, onde iríamos, como, porque. Fui driblando o trabalho no
escritório com a maestria de um Garrincha.
Veio o carnaval, veio a quarta de cinzas e Adele começou a
programar sua volta pra casa, que seria ali no início de março. Passou a tirar
mais fotos, a se demorar nos abraços, a dormir mais tarde. Faltava uns quatro
dias para o embarque de volta para a França quando fomos a uma festa de amigos
em comum e durante a terceira ou quarta cerveja me dei conta de que Adele
poderia ser bem a mulher da minha vida, exatamente nesses termos. Precisei de mais
um shot de tequila e duas doses de vodka para digerir aquela percepção enquanto
olhava a dita percorrer abraços e polaroides através da pista de dança.
Eu já estava mentalmente encenando a declaração quando ela
surgiu diante de mim, a câmera em punhos, o sorriso mais feliz daquela cidade.
Pediu para eu ficar na mesma pose, queria fazer daquele momento o retrato de
mim que levaria consigo de volta para casa. Tirou a foto e me roubou um
fagueiro beijo, imagino, me agradecendo por aquele verão. Depois disso dançamos
e rimos e nunca mais conheci uma mulher tão bonita.
Ela se foi e eu fiquei na cidade, afinal. Pode ser que ela
resolva voltar no próximo verão. Até lá, seguirei reclamando silenciosamente
pelos engarrafamentos e pelo calor em julho.
Um comentário:
Esse deve ser o texto que mais me emocionou de todos os que eu esporadicamente leio. Adorei :)
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