quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Um verão

Adele saiu de Fontainebleau, nos arredores de Paris, para me interpelar nas calçadas do Flamengo naquela tarde recheada de verão durante um fevereiro particularmente quente. Tinha os olhos verde-cinzentos acesos por um sorriso e a pergunta na ponta da língua – onde ficava o bar do Augusto? Grande Augusto! Sua cerveja levemente morna e suas cadeiras de plástico estavam fazendo sucesso.

Eu respondi que estávamos perto do local e que eu poderia fazer companhia a ela, inclusive me dispondo a pagar a primeira cerveja, quiçá uma porção de bolinhos de bacalhau. Disse isso e arrisquei aquele que julguei ser o melhor sorriso de cara-de-pau que eu poderia cultivar, para que aquela mulher se convencesse de que aquele desconhecido vestindo terno e suando em bicas por conta disso não era alguma espécie de golpista – é certo que todos os guias de viagem que Adele possa ter consultado a respeito da cidade devem tê-la advertido com exclamações a respeito dos perigos da malandra população da Guanabara e seus trambiques.

Por alguma razão não muito razoável, decerto, ela sorriu e aceitou o convite e a companhia. Caminhamos por um quarteirão e meio e logo chegamos ao Augusto, que estava um tanto quanto abarrotado de gente. Começamos a beber em pé no aguardo de uma mesa e foi quando Adele finalmente me perguntou o motivo de eu estar naqueles trajes inumanos para o calor que fazia. Ossos do ofício, eu respondi – e ela, gringa, não entendeu. Assim a conversa foi se desenvolvendo, entre goles e petiscos e explicações minhas para certas expressões e costumes. Adele sorria bastante e era algo bonito de ver.

No final de semana seguinte, ela ligou cedo para meu celular. Eu havia combinado de leva-la à praia e depois disso, ao subúrbio, iríamos à Madureira para ela ver de perto como a cidade era diferente longe dos cartões postais e nem por isso menos interessante ou colorida. Adele também seria apresentada oficialmente a um outro tipo de calor, porque o calor do subúrbio não é o calor da beira-mar e das coberturas no Leblon – numa delas, ela encontrava-se instalada, na casa de uma amiga.

E assim acabei por me tornar uma espécie de guia para aquela estrangeira caminhar pela cidade e poder descobrir as histórias que havia em suas ruas, esquinas, bares, crianças e catedrais. Logo eu, que estava há dois meses procurando emprego e lugar para morar fora do Rio do Janeiro porque então mal tolerava o trânsito, aquele sol que nos trouxe Adele, o carnaval que ela não aguentava mais esperar pra ver, o jeito das pessoas pelas quais ela se apaixonava.

Água de coco. Feijoada no almoço. Trem na Central. Maracanã. Avenida Rio Branco. Fui através daquela mulher redescobrindo os cantos da cidade onde eu havia nascido e que começavam a sorrir para mim como se eu também os estivesse experimentando feito um novo sabor de picolé. Escadaria da Lapa. Forte de Copacabana. Rodas de samba. Cordão do Boitatá. Cacique de Ramos. Após a primeira semana, era eu quem ligava para Adele com a programação da tarde seguinte pronta, onde iríamos, como, porque. Fui driblando o trabalho no escritório com a maestria de um Garrincha.

Veio o carnaval, veio a quarta de cinzas e Adele começou a programar sua volta pra casa, que seria ali no início de março. Passou a tirar mais fotos, a se demorar nos abraços, a dormir mais tarde. Faltava uns quatro dias para o embarque de volta para a França quando fomos a uma festa de amigos em comum e durante a terceira ou quarta cerveja me dei conta de que Adele poderia ser bem a mulher da minha vida, exatamente nesses termos. Precisei de mais um shot de tequila e duas doses de vodka para digerir aquela percepção enquanto olhava a dita percorrer abraços e polaroides através da pista de dança.

Eu já estava mentalmente encenando a declaração quando ela surgiu diante de mim, a câmera em punhos, o sorriso mais feliz daquela cidade. Pediu para eu ficar na mesma pose, queria fazer daquele momento o retrato de mim que levaria consigo de volta para casa. Tirou a foto e me roubou um fagueiro beijo, imagino, me agradecendo por aquele verão. Depois disso dançamos e rimos e nunca mais conheci uma mulher tão bonita.

Ela se foi e eu fiquei na cidade, afinal. Pode ser que ela resolva voltar no próximo verão. Até lá, seguirei reclamando silenciosamente pelos engarrafamentos e pelo calor em julho.

Um comentário:

May disse...

Esse deve ser o texto que mais me emocionou de todos os que eu esporadicamente leio. Adorei :)