terça-feira, 5 de novembro de 2013

Quase

Quando me dei conta, a madrugada já estava por se fazer manhã. Eu queria dormir mas o corpo não deixava e logo me vi com um copo de vodka pura na mão. Longe demais de tudo isso, ela apenas dançava – era um sábado ou uma sexta ou apenas férias de verão.

Eu deveria estar lá com ela, mesmo que apenas encostado num canto fazendo um mise-en-scène com a vodka na mão e o pensamento meio grogue, os olhos perdidos na noite que era aquela mulher se movendo ao som das luzes estroboscópicas, você me entende? Eu simplesmente deveria estar ao alcance dela. Não estava. Estava longe de tudo, de mim especialmente.

Quando eu havia fracassado, diabos?

Eu tinha as palavras, eu tinha a voz, eu tinha inclusive o telefone, o email, o endereço e o desejo, sobre tudo isso, o desejo. Só que em meio a tudo isso, eu tinha a mim e aí sem que eu pudesse assumir o controle sobre esse fator, fui pondo tudo a perder. Calei as palavras, perdi o telefone, deletei o e-mail, queimei o endereço e sublimei o desejo.

Restou a desgraça de viver, contudo. Madrugadas longas, vodkas caras.

Sublimado, o desejo voltava sem aviso e não raras vezes me tirava da cama sem pedir licença, o corpo então se tornava um fardo e eu o enganava ligando a televisão para lhe oferecer a realidade possível da situação: softporns dublados. Felizes são as criaturas que desconhecem uma foda bem dada, pois nelas reluz o encanto desses enquadramentos mal-acabados e a ficção dos orgasmos em câmara lenta.

Resolvi arriscar daquela vez. O pior que poderia acontecer então era não acontecer nada, o que não faria diferença diante da realidade de nada acontecer. Vesti calças, tênis, um blusão. Caminhei pelas esquinas desertas da cidade e logo me deparei com o letreiro iluminado da boate – e lá de dentro vinha o som de músicas da década de 90, uma guitarra inconfundível.

Obviamente, ela não estava lá. Talvez houvesse estado. Talvez nunca mais tenha posto os pés desde mim. Com uma cerveja em mãos, circulei pelo local procurando não apenas por aquela mulher, mas por um sentido para aquela madrugada. Só encontrei um ex-colega de trabalho profundamente embriagado. Ao cabo de três minutos de diálogo com ele, desisti de procurar sentido naquela festa e pedi outra vodka. Ao fim da vodka, desisti da festa e me retirei dali, para uma manhã tímida demais.

Nada acontecera, afinal.

Ou quase. Já fechando a porta do apartamento, o celular acusou uma mensagem de texto recebida. A operadora do cartão de crédito avisava que a partir daquele dia os gastos seriam cobrados só na próxima fatura.

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