terça-feira, 16 de abril de 2013

Uma dúvida

Não sei o que fazer com essa mulher que me tira o sono, não sei.

Quisera saber, mas saber das coisas nunca foi meu grande talento e após mais de trinta anos ignorando, a paciência também se encurta. Além de não saber das coisas, desaprendo o pouco que sabia, como esperar, suspirar, respirar sem pressa.

Essa mulher dorme tão tranquila que me tira o sono, desconfio. Apenas desconfio, não sei, poderia perguntar mas ela já havia caído no sono e fiquei sem jeito, antes de ficar insone e sair procurando o sono pela casa, por baixo das mesas. Nada havia debaixo das mesas, salvo uma barata, morta, mas ainda barata, cheia de patas, marrom, antenas. Sobre a mesa havia um copo vazio e ao vê-lo ali, solito, deserto, intacto, esqueci do inseto e lembrei das garrafas de uísque no escritório.

Quando desperta, essa mulher nunca me dá sono. Longe disso, meus amigos e minhas amigas, muito longe disso. Ela senta no sofá e assume o controle remoto da minha tevê, ou então ela se levanta e caminha até a cozinha e coloca a água do café para ferver, ou simplesmente senta-se próxima à janela e existe, diante do céu azul e do tráfego lá fora, da pressa das pessoas que não sabem o que é essa mulher tão próxima, tão real, e tão distante. São as horas em que ela só existe para si. Meu espírito se inquieta diante da minha insignificância terrena e por vezes tenta se mostrar presente, sólido, real - é quando a falta de sabedoria encontra a ausência de tato e provoca na mulher o desgosto.

Mas já houve horas em que ela existiu para mim, e, gosto de acreditar nisso, só para mim. Algumas dessas horas se estenderam de fato por horas, e suores, e suspiros, e proibidos. A mulher suplicou por minha ganância de não querer dividí-la com mais nada, sequer com a atmosfera, uma ganância que se desenrolava em gula, uma gula que por vezes soava desesperada, como se os minutos não fossem mais se suceder e diante de nossas bocas que se devoravam o mundo fosse ser sugado inteiro, e já não era gozo, era antimatéria.

Essa mulher dorme tranquila a poucos metros de mim, intacta, deliciosa, em silêncio. Não precisou fazer nada além de repousar e cerrar seus olhos e me privar de seus lábios pra me desprender do sono, e logo da cama e agora da tranquilidade, e quem sabe do quê mais dentro de um par de horas com a cabeça a matutá-la e o caralho a desejá-la somados a outro copo do uísque. Queria compreender essa mulher, e não consigo. Mal consigo compreender meus desejos. Quanto mais persevero na tentativa de buscar uma resposta para ela, menos faço sentido.

Não sei o que fazer com essa mulher que me tira o sono, não sei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aconchegue seus pés aos dela e a deixe sorrir. Enquanto isso fico daqui, suspirando.

It's all happening!