E aí que você sorriu. Fechou os olhos e sorriu pra si, mais
pra si do que pro mundo, ainda que nesse instante fosse como se a vida
resolvesse acompanhar seu riso e tudo ganhou um pouco mais de cor, de doce, de
som.
Fiquei esperando que seus olhos voltassem lá de dentro para iluminar
a sala. Eles se demoraram um pouco mais debaixo dos longos cílios, como se seu
corpo soubesse por instinto que a boca era tão bonita cheia de dentes e tão
profana quando exalava palavrões que nessas horas seus olhos sempre se fechavam
e daí em diante seus lábios tomavam conta de todo o resto – de mim, inclusive.
Suas mãos rearranjaram a longa cabeleira e você tomou
fôlego, olhos castanhos e convidativos em mim. “Você não deveria me dizer essas
coisas sem aviso, seu bobo.”
E aí emudeci. Tinha todo um discurso pronto, ia olhar para
seus olhos e empostar a voz, ia começar assim “Olha, morena” que parece verso
do Chico, “Olha, morena, faz tanto tempo que preciso ver teus olhos assim, de
perto”. Essa seria a primeira frase – e, na verdade, de acordo com a minha
estratégia pensada há quase duas semanas, essa frase era tão boa, a voz
empostada, os olhos nos olhos que bastaria, ali pelo “preciso” o ideal seria
que seu sorriso novamente se mostrasse, um sorriso íntimo, e quando eu
terminasse a frase, a única reação possível seria agir, deixar a palavras para
os poetas e os covardes. Seria inevitável. Seria heroico, uma mulher tão linda
desabrochar num sorriso e dali desejar um beijo, apenas para começar o amor.
Só que o plano saiu inesperadamente pelo viés da poesia
mesmo. Na hora em que o corpo deveria tomar o controle e aproveitar o beijo ali
latente, me dei conta da proximidade de sua beleza e emudeci, travei, voltei
para a pré-adolescência, a vergonha, a língua presa, as meninas se rindo da
minha timidez, da falta de jeito, da cintura dura. Mais de trinta anos na cara,
todo um discurso construído em bate-papos, telefonemas, mensagens virtuais, uma
janta com vinho, uma semana preparando a lista de músicas no notebook, centenas
de reais numa camisa caríssima que você logo fez graça ao reparar, todos os
meus subterfúgios e truques e atalhos aniquilados num átimo de sua natureza.
Ao me dar conta da minha pane, tentei fugir, desviar o
olhar, mexer o corpo em direção a um copo, pegar mais vinho e beber, quem sabe
se eu sair correndo você, estupefata, fique imóvel e eu desapareça pelas ruas, a
mendicância me abraçará, já tenho até uma barba cheia de falhas, só me restam
os dias privados de sabonete. Felizmente, a timidez também bloqueou o faniquito
e apenas baixei os olhos, procurando algo dentro de mim, uma voz, uma piada, os
números da megasena.
Foi quando sua voz me salvou, as palavras chegaram suaves, “Você
deveria continuar me olhando, seu bobo.” Diante de mim, você voltou a sorrir.
3 comentários:
nossa, super realista! deu pra ver e sentir a cena todo acontecendo! ;-)
bjim
re
Realmente dá mesmo pra ver as cenas na mente!
ótimo texto.
: )
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