sexta-feira, 19 de abril de 2013

E aí que você sorriu


E aí que você sorriu. Fechou os olhos e sorriu pra si, mais pra si do que pro mundo, ainda que nesse instante fosse como se a vida resolvesse acompanhar seu riso e tudo ganhou um pouco mais de cor, de doce, de som.

Fiquei esperando que seus olhos voltassem lá de dentro para iluminar a sala. Eles se demoraram um pouco mais debaixo dos longos cílios, como se seu corpo soubesse por instinto que a boca era tão bonita cheia de dentes e tão profana quando exalava palavrões que nessas horas seus olhos sempre se fechavam e daí em diante seus lábios tomavam conta de todo o resto – de mim, inclusive.

Suas mãos rearranjaram a longa cabeleira e você tomou fôlego, olhos castanhos e convidativos em mim. “Você não deveria me dizer essas coisas sem aviso, seu bobo.”

E aí emudeci. Tinha todo um discurso pronto, ia olhar para seus olhos e empostar a voz, ia começar assim “Olha, morena” que parece verso do Chico, “Olha, morena, faz tanto tempo que preciso ver teus olhos assim, de perto”. Essa seria a primeira frase – e, na verdade, de acordo com a minha estratégia pensada há quase duas semanas, essa frase era tão boa, a voz empostada, os olhos nos olhos que bastaria, ali pelo “preciso” o ideal seria que seu sorriso novamente se mostrasse, um sorriso íntimo, e quando eu terminasse a frase, a única reação possível seria agir, deixar a palavras para os poetas e os covardes. Seria inevitável. Seria heroico, uma mulher tão linda desabrochar num sorriso e dali desejar um beijo, apenas para começar o amor.

Só que o plano saiu inesperadamente pelo viés da poesia mesmo. Na hora em que o corpo deveria tomar o controle e aproveitar o beijo ali latente, me dei conta da proximidade de sua beleza e emudeci, travei, voltei para a pré-adolescência, a vergonha, a língua presa, as meninas se rindo da minha timidez, da falta de jeito, da cintura dura. Mais de trinta anos na cara, todo um discurso construído em bate-papos, telefonemas, mensagens virtuais, uma janta com vinho, uma semana preparando a lista de músicas no notebook, centenas de reais numa camisa caríssima que você logo fez graça ao reparar, todos os meus subterfúgios e truques e atalhos aniquilados num átimo de sua natureza.

Ao me dar conta da minha pane, tentei fugir, desviar o olhar, mexer o corpo em direção a um copo, pegar mais vinho e beber, quem sabe se eu sair correndo você, estupefata, fique imóvel e eu desapareça pelas ruas, a mendicância me abraçará, já tenho até uma barba cheia de falhas, só me restam os dias privados de sabonete. Felizmente, a timidez também bloqueou o faniquito e apenas baixei os olhos, procurando algo dentro de mim, uma voz, uma piada, os números da megasena.

Foi quando sua voz me salvou, as palavras chegaram suaves, “Você deveria continuar me olhando, seu bobo.” Diante de mim, você voltou a sorrir.

3 comentários:

Anônimo disse...

nossa, super realista! deu pra ver e sentir a cena todo acontecendo! ;-)
bjim
re

Tha'li disse...

Realmente dá mesmo pra ver as cenas na mente!
ótimo texto.

Mari disse...

: )