Então cheguei ao lugar que
combinamos. Mônica ainda não havia chegado e não atendia quando eu chamava pelo
celular naquela tarde. Era uma porta simples, azul, uma parede sem nada
escrito, nenhum aviso, nenhuma referência particular fora o número 45. Toquei a
campainha e uma moça vestindo um terninho cinza de recepcionista me atendeu.
Pois não?
Boa tarde. Eu vim com a Mônica,
ela já chegou?
Mônica?
A estudante de cinema. Fotógrafa.
Ela agendou com vocês.
Sim, é verdade, querido. (Pega um
caderno de anotações e confere algo com atenção.) Você é o Gustavo, é isso?
Sou.
Pode entrar. A Mônica nos ligou
há dez minutos, deve estar chegando.
Você pode esperar aqui.
Entrei numa sala branca, muito
branca, mais branca que o usual. A recepcionista se recolheu para outro lugar,
saindo de cena, silenciosa. Eu ali de sapatênis, bermuda jeans, camiseta de
banda, minha Canon e duas lentes na mochila. Sem maiores avisos, entrou um
senhor de seus quarenta e tantos anos, leve barriga, barba feita, um tanto calvo,
totalmente nu. Aquela sala branca, fria do ar-condionado, o piso de fórmica
igualmente alvo, o silêncio, aquele homem nu e imperturbável que carregava
entre as pernas um digno exemplar de caralho, flácido porém enorme, uma régua,
tudo isso me perturbava. Eram duas da tarde de uma segunda-feira, afinal.
Mônica e suas ideias para ensaios
fotográficos. Era apenas um trabalho pra Fotografia I, caramba. Ela disse que
tinha tido uma puta ideia, o Diamante (o professor da disciplina, maconheiro
feroz, fama de comer pelo menos 4 alunas por semestre) iria ficar fascinado –
e, desconfiei na hora mas obviamente guardei o pensamento para mim, iria querer
comer a Mônica, aquele filho da puta. Eu deveria ter esperado na birosca do
outro lado da rua, tomando uma Coca. Com sorte a demoveria da ideia de
fotografar um clube de suingue e a gente ia tentar crianças de rua, árvores
apodrecendo na poluição, pratos de comida em restaurantes baratos. Ela nunca
comprava a ideia de realizarmos o "Pobregram", fotografarmos restaurantes
baratos, os trabalhadores comendo, os estrogonofes de salmão, as chapas com
bifes e linguiças.
Mônica chegou alguns minutos
depois. Apesar do atraso e de aparentar ansiedade (seus pequenos olhos muito
despertos, as mãos em movimento, a câmera já a postos), trazia o frescor de
quem acordara a tempo de tomar banho, passar batom, prender os cachinhos num
coque, escolher uma roupa confortável. Claro que ela havia vindo de carro, o
que ajudava. A mulher da recepção ressurgiu para atendê-la e deu-se um diálogo
parecido com o meu. A moça acrescentou, ao final, para Mônica, que ela poderia
fotografar à vontade, desde que não fosse identificado o endereço do local e
respeitássemos os frequentadores que não desejassem ser fotografados.
Assinamos ambos uma espécie de termo
de responsabilidade onde jurávamos que não faríamos qualquer espécie de cagada
e que aquelas fotos não poderiam ser negociadas para publicações editoriais e
quetais sem a anuência da casa. Assinamos quase sem ler, só queríamos fazer a
fotos. Mônica me disse que já tinha entrado em contato com o clube havia 2
meses, conhecido algumas pessoas e três delas (o cidadão do caralho grande, sua
esposa e outra mulher, pastora evangélica) já estavam dispostas a fazer as
fotos. Claro que de todas essas informações, a que ficou na minha cabeça era
que Mônica, minha colega de faculdade, uma menina de 18 anos com quem havia
ficado na primeira chopada, Mônica que um mês depois desse evento me confessou
que nunca havia feito sexo (“uma vez eu segurei no pinto de um cara com quem
saía porque ele era tão lindo, mas não rolou nada além disso, a gente estava
sem camisinha, o que foi uma pena, porque o pinto era mais bonito que ele
inclusive”), pois bem, Mônica frequentava um clube de suingue.
Essa revelação me atravessava os
lóbulos cerebrais quando as duas mulheres (a esposa do cidadão e a pastorinha)
adentraram o recinto, igualmente nuas. As duas sorriram e logo interagiram com
Mônica, como se fossem velhas conhecidas e companheiras de suingue, conversaram
sobre o batom que Mônica usava primeiro e então fui apresentado a elas.
Esse é o Gustavo. Gustavo, essas são as moças que te falei há pouco,
elas vão ser nossas modelos junto com o Roberto. Essa é a Neusa, mulher do
Roberto (morena, trinta e seis anos, seios pequenos, totalmente depilada,
cintura fina, cicatriz no lábio inferior) e essa é a Jamile (olhos de gueixa,
certamente balzaca, pele entre o pescoço e os seios – fartos – curtida pelo sol
apesar de ser causasiana, uma senhora bunda, uma bunda precisa, sem excessos).
As duas me cumprimentaram e nesse
instante o Roberto também se chegou, esboçando um sorriso, mas não muito
honesto. Ela passou aos três documentos para assinarem autorizando o uso da
imagem deles no ensaio, se comprometendo a não revelar suas identidades e a
coisa toda. Assinaram. Roberto fez então uma apresentação do grupo mais formal
a mim, ele era um dos sócios da casa, havia conhecido sua esposa exatamente
ali, há cinco anos, durante uma suruba e contou que se apaixonara por ela na
primeira chupada que recebeu. Jamile
aproveitou os risos após a introdução de Roberto para então se apresentar ela
própria: era apaixonada por sexo e pelo corpo dos outros, achava o corpo humano
desnudado e em movimento a maior coisa bela – em especial o pênis à beira do gozo
– e que essa era a prova de que havia um
Deus responsável por tudo e que ele gostava de nos conceder coisas boas para
viver, para sentir, para olhar. Frequentava o clube havia dez anos, era casada
há oito, mas o marido não gostava de acompanhá-la, ainda que houvesse
tentado. Era uma pastora batista, sua
igreja ficava noutra parte da cidade e uma vez havia encontrado um dos fiéis da
igreja numa festa de final de ano no clube, mas ele fora elegante e discreto (e
a fez gozar por duas vezes). Jamile puxou conversa comigo em particular após
essa introdução, enquanto Mônica ouvia em separado observações de Roberto sobre
onde seria melhor fazer as fotos.
Gustavo, então, certo?
Sim, Gustavo. A gente é colega de
faculdade.
Só colegas?
Ahn, sim. A gente faz essa disciplina
de foto na mesma turma e ela teve a ideia do ensaio, o trabalho é em dupla.
Vocês estudam jornalismo, né?
Eu estudo jornal. Ela faz cinema.
Nossa! Jura? Não sabia nem que
tinha faculdade disso. (Risos sapecas.)
Pois é, ela faz cinema.
E você não vai tirar a roupa não,
menino?
Essa perspectiva eu não havia
ponderado até então. E só o breve diálogo com Jamile me causara uma ereção
profunda que certamente eu devia estar disfarçando mal e porcamente. O problema
não era ficar nu diante dos três, mas diante de Mônica. Afinal, para que ficar
inventando desculpas, só estava ali por ela, para arrumar subterfúgios,
diálogos, pontos em comum e quaisquer outros artifícios que me ajudassem a
convencê-la a repetir aquela chopada, aqueles beijos todos, dessa vez munidos
de intenções muito mais luxuriosas, definitivamente. Até uma eletiva de
história da arte eu estava cursando porque Mônica havia se matriculado (e a
aula acontecia sexta de noite, oportunamente!). Mas diante da possibilidade da
nudez em conjunto e da minha ereção diante dela naquele ambiente, veio um
sincero temor de que toda a minha estratégia seria posta por terra. No lugar do
desejo que eu queria nela, veria apenas o riso. Não soube o que responder para
Jamile. Fui até Mônica, tentando disfarçar, além da paudurescência, um
princípio de pavor. Ela estava visivelmente animada, parecia que o ensaio ia de
fato sair de sua ideia para imagens reais.
Vamos começar?
Sim, né?
Então, Mônica, onde serão as
fotos?
O Roberto falou que parte pode
ser aqui mesmo. Eu gostei dessa luz branca. Pensei em fazer retratos deles
individuais aqui e a gente vai pra uma sala lá dentro, pra eles posarem juntos.
Então, será que lá dentro a gente
vai ter que tirar a roupa?
Tomara, né?
Realmente, fotografar comida era uma ideia de garoto. Mônica sabia das
coisas.
3 comentários:
Mestre.
Mestre.
Espertinha a moça Monica. Das minhas.
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