domingo, 28 de abril de 2013

Ela faz cinema


Então cheguei ao lugar que combinamos. Mônica ainda não havia chegado e não atendia quando eu chamava pelo celular naquela tarde. Era uma porta simples, azul, uma parede sem nada escrito, nenhum aviso, nenhuma referência particular fora o número 45. Toquei a campainha e uma moça vestindo um terninho cinza de recepcionista me atendeu.

Pois não?
Boa tarde. Eu vim com a Mônica, ela já chegou?
Mônica?
A estudante de cinema. Fotógrafa. Ela agendou com vocês.
Sim, é verdade, querido. (Pega um caderno de anotações e confere algo com atenção.) Você é o Gustavo, é isso?
Sou.
Pode entrar. A Mônica nos ligou há dez minutos,  deve estar chegando. Você pode esperar aqui.

Entrei numa sala branca, muito branca, mais branca que o usual. A recepcionista se recolheu para outro lugar, saindo de cena, silenciosa. Eu ali de sapatênis, bermuda jeans, camiseta de banda, minha Canon e duas lentes na mochila. Sem maiores avisos, entrou um senhor de seus quarenta e tantos anos, leve barriga, barba feita, um tanto calvo, totalmente nu. Aquela sala branca, fria do ar-condionado, o piso de fórmica igualmente alvo, o silêncio, aquele homem nu e imperturbável que carregava entre as pernas um digno exemplar de caralho, flácido porém enorme, uma régua, tudo isso me perturbava. Eram duas da tarde de uma segunda-feira, afinal.

Mônica e suas ideias para ensaios fotográficos. Era apenas um trabalho pra Fotografia I, caramba. Ela disse que tinha tido uma puta ideia, o Diamante (o professor da disciplina, maconheiro feroz, fama de comer pelo menos 4 alunas por semestre) iria ficar fascinado – e, desconfiei na hora mas obviamente guardei o pensamento para mim, iria querer comer a Mônica, aquele filho da puta. Eu deveria ter esperado na birosca do outro lado da rua, tomando uma Coca. Com sorte a demoveria da ideia de fotografar um clube de suingue e a gente ia tentar crianças de rua, árvores apodrecendo na poluição, pratos de comida em restaurantes baratos. Ela nunca comprava a ideia de realizarmos o "Pobregram", fotografarmos restaurantes baratos, os trabalhadores comendo, os estrogonofes de salmão, as chapas com bifes e linguiças.

Mônica chegou alguns minutos depois. Apesar do atraso e de aparentar ansiedade (seus pequenos olhos muito despertos, as mãos em movimento, a câmera já a postos), trazia o frescor de quem acordara a tempo de tomar banho, passar batom, prender os cachinhos num coque, escolher uma roupa confortável. Claro que ela havia vindo de carro, o que ajudava. A mulher da recepção ressurgiu para atendê-la e deu-se um diálogo parecido com o meu. A moça acrescentou, ao final, para Mônica, que ela poderia fotografar à vontade, desde que não fosse identificado o endereço do local e respeitássemos os frequentadores que não desejassem ser fotografados.

Assinamos ambos uma espécie de termo de responsabilidade onde jurávamos que não faríamos qualquer espécie de cagada e que aquelas fotos não poderiam ser negociadas para publicações editoriais e quetais sem a anuência da casa. Assinamos quase sem ler, só queríamos fazer a fotos. Mônica me disse que já tinha entrado em contato com o clube havia 2 meses, conhecido algumas pessoas e três delas (o cidadão do caralho grande, sua esposa e outra mulher, pastora evangélica) já estavam dispostas a fazer as fotos. Claro que de todas essas informações, a que ficou na minha cabeça era que Mônica, minha colega de faculdade, uma menina de 18 anos com quem havia ficado na primeira chopada, Mônica que um mês depois desse evento me confessou que nunca havia feito sexo (“uma vez eu segurei no pinto de um cara com quem saía porque ele era tão lindo, mas não rolou nada além disso, a gente estava sem camisinha, o que foi uma pena, porque o pinto era mais bonito que ele inclusive”), pois bem, Mônica frequentava um clube de suingue.

Essa revelação me atravessava os lóbulos cerebrais quando as duas mulheres (a esposa do cidadão e a pastorinha) adentraram o recinto, igualmente nuas. As duas sorriram e logo interagiram com Mônica, como se fossem velhas conhecidas e companheiras de suingue, conversaram sobre o batom que Mônica usava primeiro e então fui apresentado a elas.

Esse é o Gustavo. Gustavo, essas são as moças que te falei há pouco, elas vão ser nossas modelos junto com o Roberto. Essa é a Neusa, mulher do Roberto (morena, trinta e seis anos, seios pequenos, totalmente depilada, cintura fina, cicatriz no lábio inferior) e essa é a Jamile (olhos de gueixa, certamente balzaca, pele entre o pescoço e os seios – fartos – curtida pelo sol apesar de ser causasiana, uma senhora bunda, uma bunda precisa, sem excessos).

As duas me cumprimentaram e nesse instante o Roberto também se chegou, esboçando um sorriso, mas não muito honesto. Ela passou aos três documentos para assinarem autorizando o uso da imagem deles no ensaio, se comprometendo a não revelar suas identidades e a coisa toda. Assinaram. Roberto fez então uma apresentação do grupo mais formal a mim, ele era um dos sócios da casa, havia conhecido sua esposa exatamente ali, há cinco anos, durante uma suruba e contou que se apaixonara por ela na primeira chupada que recebeu.  Jamile aproveitou os risos após a introdução de Roberto para então se apresentar ela própria: era apaixonada por sexo e pelo corpo dos outros, achava o corpo humano desnudado e em movimento a maior coisa bela – em especial o pênis à beira do gozo –  e que essa era a prova de que havia um Deus responsável por tudo e que ele gostava de nos conceder coisas boas para viver, para sentir, para olhar. Frequentava o clube havia dez anos, era casada há oito, mas o marido não gostava de acompanhá-la, ainda que houvesse tentado.  Era uma pastora batista, sua igreja ficava noutra parte da cidade e uma vez havia encontrado um dos fiéis da igreja numa festa de final de ano no clube, mas ele fora elegante e discreto (e a fez gozar por duas vezes). Jamile puxou conversa comigo em particular após essa introdução, enquanto Mônica ouvia em separado observações de Roberto sobre onde seria melhor fazer as fotos.

Gustavo, então, certo?
Sim, Gustavo. A gente é colega de faculdade.
Só colegas?
Ahn, sim. A gente faz essa disciplina de foto na mesma turma e ela teve a ideia do ensaio, o trabalho é em dupla.
Vocês estudam jornalismo, né?
Eu estudo jornal. Ela faz cinema.
Nossa! Jura? Não sabia nem que tinha faculdade disso. (Risos sapecas.)
Pois é, ela faz cinema.
E você não vai tirar a roupa não, menino?

Essa perspectiva eu não havia ponderado até então. E só o breve diálogo com Jamile me causara uma ereção profunda que certamente eu devia estar disfarçando mal e porcamente. O problema não era ficar nu diante dos três, mas diante de Mônica. Afinal, para que ficar inventando desculpas, só estava ali por ela, para arrumar subterfúgios, diálogos, pontos em comum e quaisquer outros artifícios que me ajudassem a convencê-la a repetir aquela chopada, aqueles beijos todos, dessa vez munidos de intenções muito mais luxuriosas, definitivamente. Até uma eletiva de história da arte eu estava cursando porque Mônica havia se matriculado (e a aula acontecia sexta de noite, oportunamente!). Mas diante da possibilidade da nudez em conjunto e da minha ereção diante dela naquele ambiente, veio um sincero temor de que toda a minha estratégia seria posta por terra. No lugar do desejo que eu queria nela, veria apenas o riso. Não soube o que responder para Jamile. Fui até Mônica, tentando disfarçar, além da paudurescência, um princípio de pavor. Ela estava visivelmente animada, parecia que o ensaio ia de fato sair de sua ideia para imagens reais.

Vamos começar?
Sim, né?
Então, Mônica, onde serão as fotos?
O Roberto falou que parte pode ser aqui mesmo. Eu gostei dessa luz branca. Pensei em fazer retratos deles individuais aqui e a gente vai pra uma sala lá dentro, pra eles posarem juntos.
Então, será que lá dentro a gente vai ter que tirar a roupa?
Tomara, né?

Realmente, fotografar comida era uma ideia de garoto. Mônica sabia das coisas.