quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Querido diário

Nina chegou em casa aquele dia como costumava desde que casou com o Chico, coisa de quatro anos passados. O viralata já lhe esperava por trás da porta, as orelhas de pé, o rabo sacudindo, a alegria em forma de vida. Chico zapeava pelos canais da tevê por assinatura sem se fixar em nada, gastando tempo, calado, sem camisa - era verão e o apartamento era pequeno.

A mulher havia passado o dia batendo perna atrás de um novo emprego. Sorrindo forçado, se esforçando para não desmanchar o penteado, não amassar a roupa, não parecer que precisava de um dinheiro para as contas e o empréstimo e a sexta-feira com os amigos. Foi um dia difícil, em suma. Mesmo assim, tentou deixar o dia no corredor e entrar em casa sorrindo, como gostava tanto de fazer que virou o hábito.

Com o viralata no colo, se sentou ao lado de Chico. Beijo rápido. Conversam brevidades. Não, ninguém me ligou de volta. Sim, levanto cedo amanhã. Olha, você precisa fazer essa barba pra festa no sábado. Deixa que eu faço a janta hoje porque você precisa descansar.

Chico se levantou e foi para a cozinha, meio preguiçoso, mas ainda um cavalheiro. Nina desligou a tevê, pôs uma música no lugar e foi pro banho. Demorou-se ali, de olhos fechados e pensamento longe, numa viagem de final de ano com Chico, então seu novo namorado, que estava aprendendo violão e tinha cabelos compridos. Era a primeira viagem deles e foram passar os últimos dias do ano numa praia. Chico lhe sorria o tempo todo nas memórias, mas isso ela era capaz de deduzir que era consequência de serem memórias boas. Ela se impressionava mesmo com o sorriso per si, que, fazia tempos, não era mais aquele que ela lembrava, pelo qual se apaixonou.

A janta estava pronta quando ela saiu do banho, se enxugou e colocou o pijama. Não vestiu qualquer pijama, vestiu uma camisola-fatal, verde-escuro, que lhe deixava gostosa, mulher, segura - era até meio ridículo que fosse um pijama. Chico sorria diante da mesa posta, ainda que fosse um ligeiro miojo-com-atum-em-lata, ele havia feito um molho baseado em azeite, cebolinha e mostarda picante para enfeitar. Comeram, pouco falaram. Chico parecia meio absorto em si, Nina tentava encontrar algo naquele rosto que ela pudesse decifrar, mas tentava sem muito método.

A louça ficou na pia e os dois foram para o quarto. Nina procurou o beijo e o alcançou, agora com mais gosto. O corpo de Chico compreendeu rapidamente a mensagem e foram para a cama, o viralata assistindo a tudo meio bobo, meio excluído. Chico costumava demorar mais, demorar melhor para comer Nina. Ela gostava da demora como da urgência, mas sobretudo de perder a noção das coisas terrenas e insignificantes e desmanchar-se diante daquele homem. Nina sentia uma espécie de aflição agora, como se fosse uma mulher sem orifícios diante de um homem morrendo em vida.

Chico fechou os olhos e cerrou os dentes. Um último suspiro. Ela decidiu que no dia seguinte entraria em casa sem o sorriso. Talvez ele recuperasse o dele para manter as coisas funcionando.

2 comentários:

Mila Chaseliov disse...

<3<3<3
(e que disco, que disco!)

Mila Chaseliov disse...

<3<3<3
(e que disco meudeus, que disco!)