Deu no jornal, deu na rádio, deu no tuíter, todo já sabe e já viu. O Brasil dorme tranquilo hoje porque a alma da menina Isabela foi finalmente lavada. A alma da Isabela, da mãe da Isabela, das criancinhas do Brasil - quiçá do mundo.
Reza a lenda que houve foguetório quando o júri anunciou a sentença - 31 anos de cana pro tal de Alexandre Nardoni e outros 26 pra Madrasta do Ano, Anna Carolina Jatobá. Era de se esperar, infelizmente, tal reação das pessoas ao julgamento do caso, que desde cedo, foi tratado pela imprensa com ares de cruzada, ou uma espécie de realidade não tão ficcional onde o BEM teria uma derradeira chance de vencer o MAL no Brasil.
Sim, jogar uma criança - ou um adulto, ou um velho, ou um emo, ou um ex-BBB - da janela do 6º andar é brutalidade e ponto final. Assim como é brutal torrar um mendigo por diversão, abusar sexualmente de menores de idade ou dirigir bêbado e matar quem atravessa o caminho ou senta de carona. É brutal quando uma sandice dessas nos esfrega na cara que por baixo de traquitanas recheadas de tecnologia ou dietas de auto-ajuda o homem é uma espécie errônea, capaz de cometer a maior das canalhices e não saber se explicar, porque às vezes não há mesmo o que dizer.
A mesma multidão que se pudesse mataria os dois condenados pelo assassinato da Isabella à surra ali mesmo, na porta do fórum, se regojizou porque finalmente houve justiça no Brasil. Vamos esquecer coletivamente que a própria polícia mata diariamente crianças ou adultos que dão o azar de se encontrar em linhas de tiro, ou de morar na periferia - o que acaba dando no mesmo. Vamos esquecer que o Sarney preside o senado e que Daniel Dantas, flagrado corrompendo como Arruda foi flagrado, continua livre para voar. Vamos deixar pra lá 19 brasileiros assassinados a bala em Eldorado dos Carajás e outros 21 em Vigário Geral.
A mesma multidão amanhã vai acompanhar o tal paredão histórico no Big Brother (optar por dar chance de ficar milionário da noite pro dia entre um cidadão histérico e um pré-projeto de neandertal) e terá a mesma sanha por justiça, alguns vão chegar em casa de noite carregados de frustração e aditivos e talvez sentem a mão em esposas, amantes, filhos, sobrinhos e segue o baile. Daqui a 3 meses, salvo algum fato mais extraordinário, ninguém mais vai lembrar o nome do promotor Cembranelli.
O tal Alexandre Nardoni, vale dizer, como a nova geração de comediantes tupiniquins, parece carregar o fardo da babaquice na própria existência. O que sei dele é que vivia às custas do pai e tinha tendência a bater nos filhos e nas mulheres. Na prisão, deprimido, engordou dez quilos. A outra condenada se destacou recentemente porque abraçou o Evangelho de resultados, já faz a imagem de boa-moça na cadeia, em breve entra com pedido pra sair em liberdade provisória e pode até conseguir. Pimenta Neves, assassino confesso, conseguiu.
Infelizmente, o Brasil não é o país da justiça, mas o país da grana. Tendo grana e um bom álibi, safamo-nos todos. Talvez essa verdade tenha levado as tais 200 pessoas pra porta do fórum lá em SP clamar por justiça e alimentar em segredo o desejo de dar um pau nos assassinos. Ou talvez foi a presença das tevês mostrando tudo ao vivo, em especial o clamor popular nas ruas, a chance de aparecer antes da novela mesmo não sendo global, não tendo em casa a última traquitana eletrônica e nem bala na agulha pra bancar a mais recente dieta de auto-ajuda. Que se faça justiça a quem não tem grana, pelo menos essa noite.
Resta a essa gente, a eu e você, o grito, os fogos, o linchamento. E sorte pra não ficar no caminho das balas que se perdem, dos bêbados que dirigem, das chuvas que afogam, das torcidas que guerreiam e das luzes que apagam.
Um comentário:
Bom texto! Reflexão - ou constatação pura e simples - de nossos dias atuais!
Acho que seria uma pessoa menos inquieta e pessimista com a humanidade se visse esse clamor popular por justiça (ou seria vingança?!) mais vezes por ano [nem falo em mais vezes por dia, sou humilde nesse quesito]!
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