terça-feira, 6 de abril de 2010

A mulher honesta

Ela já avisou de cara que não iria dizer o nome em vão. O nome dela. Porque ela não queria saber quem era ele.

A sacana.

Ela avisou que não queria saber de nhenhenhém, assim mesmo, falou nhenhenhém. Ele não se lembrava de ter ouvido mulher falar nhenhenhém na hora do vamos ver e ficou intimidado. Quase broxou. Ficou acuado e menos macho. Ela percebeu e esboçou um riso, quase escárnio, toda ternura.

Não seja bobo, disse, não há o que complicar. Não conheço você, tu não me conhece. Estamos aqui juntos agora porque eu quis e agora vai ser assim, como eu quero. O moço, atônito. Só faltava pedir licença pra respirar.

Ela se esparramava pelas palavras, pelo quarto onde estavam, pelos olhos e narinas e ouvidos dele. Ele aguardava seu destino, já entregue aos caprichos de uma anônima no meio da tarde, dentro daquele quarto incolor, vítima de seus impulsos e da sua falta de maturidade. Mas gostava daquela situação, do absurdo total, de como ela ditava as palavras.

Ele reparou na aliança dela, uma bonita, não podia ser tão bonita só de vaidade aquela joia, parecia preceder um compromisso, anunciar uma tragédia, revelar uma verdade bastante sólida. Verdade que ela não lhe diria jamais, verdade destinada a perecer desconfiança, dúvida, silêncio e omissão.

Ela foi até a bolsa e apanhou o celular, desligando o aparelho. Não havia culpa, tampouco tensão. Ela então sorriu, sorriu e lhe fitou inteiro, se demorou no sorriso e respirou devagar. Ela descalçou as sandálias sem malícia e sem lhe tirar os olhos desabotou a saia, que era austera demais para aquela situação. Uma saia verde-musgo, que escorregava até quase as canelas.

Ele fez menção de tirar a camiseta e ela então veio e num toque, o sentou na cama e logo ajoelhada, lhe descalçou os tênis e se desfez dos jeans e das meias e assim ficou, de joelhos no chão, os olhos fixos em seu rosto.

Ela então perguntou, como se ele fosse capaz de negar, se ele ainda queria. Ele sorriu, e ao sorrir pôs-se em movimento, fez-se o homem que ela aguardava, que ela abordou com um sorriso inesperado na parada do coletivo, que ela puxou pela mão sorrateira após duas esquinas de perseguição silenciosa rumo àquele quarto inodoro, ambos a dar o sinal para que o veículo parasse e fugindo das vistas do trânsito, da pressa, da razão.

Deveriam permanecer anônimos, foi a condição que ela deu outra vez, prestes a lhe abocanhar o pau. E, já oferecendo a buceta em toda sua glória, ela então disse que apanhava aquele ônibus quase todos os dias.

Ele guardou aquelas palavras, mas sobretudo guardou a glória. O coletivo o deixava longe de casa mas ele virou passageiro habitual. Ela não havia mentido e se cruzaram outras vezes anônimos. Nem sempre ela lhe puxava pela mão e nunca lhe disse seu nome, nem a razão - se é que a havia - da aliança tão poderosa.

Amou aquela mulher até perder a razão. Um dia, quando ela apanhou sua mão para descerem, ele sacou uma pistola e desferiu quatro balaços. Foi desarmado e surrado feito judas.

Um comentário:

Rosi disse...

Fascinante o poder que as mulheres exercem sobre os homens!
Hahahahahahahahaha