Era um sábado de carnaval e a gente já não se gostava como
em outros tempos, apesar do carnaval. Complicado isso de gostar de alguém – em especial
de gostar de mim, ela já havia me dito noutras ocasiões. Só que agora havia
algo de sereno e tranquilo no tom de voz dela que me parecia absolutamente
perturbador, logo eu, o grande homem, o cara que não liga para vocês todos, o
rei da opinião.
Era um sábado de carnaval e a gente não dançava ou sorria,
quero dizer, sorríamos, mas não era felicidade ou qualquer coisa dócil, era
escárnio ou indiferença ou apenas acidentes. Eu usava um chapéu de pirata e ela
vestia uma longa peruca azul, uma cerveja na mão de cada um. Em volta da gente,
gente que aparentava outra coisa que não a nossa conversa.
Era um sábado de carnaval e ela me perguntava o que estava
acontecendo, porque estava acontecendo algo e eu apenas negava, dizia que não,
que eu era aquele cara mesmo e pombas, eu sou esse cara mesmo. Eu menos do que
mentia, omitia, e omitia não por maldade, mas por preguiça. Omitia que estava
cansado dela, de cada palavra que ela emitia dependendo da ocasião, do tom de
voz, da roupa que ela usava. E era um cansaço absoluto. Se ele se manifestasse,
tudo em volta desaparecia e só havia então a presença daquela mulher e o meu
cansaço por estarmos juntos, eu não poderia simplesmente dizer “Chega, tchau” e
partir. Quero dizer, eu acho que seria errado partir ou desaparecer.
Era um sábado de carnaval e eu mantinha a calma diante dela,
que me cobrava uma resposta melhor, mais elaborada – justamente aquilo que eu
não queria começar a fazer. Um dia tinha havido o amor e o tesão e o futuro mas
agora, só havia aquele fastio e algum rancor, que ela disfarçava bem até então.
Até então.
Era um sábado de carnaval e ela finalmente me disse: “seu
desinteresse em conversar comigo é uma falta de respeito tão grande quanto seu
pau mole, merda.” Seria um golpe baixo se não fosse, sabe, a mais pura verdade.
Eu havia perdido tesão, interesse, respeito e vergonha. Podia passar o dia sem
dirigir a palavra e quando o fazia, era algo bruto e sem pensar, como se ela
fosse um obstáculo na sala de estar, um soluço encravado na garganta. (E é óbvio
que ela não era.) “Essa peruca é mais verdadeira que seu amor, caralho.”
Era um sábado de carnaval e ele já não parecia mais tanto
assim com um sábado de carnaval. Eu
terminaria meus dias acompanhado da minha estupidez e da minha mesquinharia.
Esse trio poderia se divertir dividindo opiniões definitivas sobre livros que
ninguém mais lê e programas de televisão que são ruins demais para alguém
resenhar. Era o que me aguardava em definitivo, pois que ela enumerou todos os
meus pecados mais capitais ao longo dos anos e que só ali, naquela mesa e ao
som de música baiana de duplo sentido ela finalmente se sentiu liberta para me
dizer. Ouvi calado e impassível. Apenas verdades – rancorosas e com nuances que
eu já havia esquecido. Ao final, me sentia velho.
Era um sábado de carnaval quando ela, olhos nos olhos, me
disse que estava tudo acabado. Tudo. Apagou meu número do celular e o escambau.
“Não vou mais te importunar, você poderá ficar sozinho no teu apartamento
envelhecendo, morrendo. É o que você quer, morrer. Eu quero viver ainda.” E foi
embora, simples assim como essa frase, levantou e saiu dali orgulhosa de si por
finalmente ter me mostrado a verdade sobre nós dois. Eu ia perguntar sobre as
coisas dela – roupas, móveis, CDs, documentos – mas deixei pra lá.
Era um sábado de carnaval.
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