domingo, 9 de março de 2014

Outro adeus

Era um sábado de carnaval e a gente já não se gostava como em outros tempos, apesar do carnaval. Complicado isso de gostar de alguém – em especial de gostar de mim, ela já havia me dito noutras ocasiões. Só que agora havia algo de sereno e tranquilo no tom de voz dela que me parecia absolutamente perturbador, logo eu, o grande homem, o cara que não liga para vocês todos, o rei da opinião.

Era um sábado de carnaval e a gente não dançava ou sorria, quero dizer, sorríamos, mas não era felicidade ou qualquer coisa dócil, era escárnio ou indiferença ou apenas acidentes. Eu usava um chapéu de pirata e ela vestia uma longa peruca azul, uma cerveja na mão de cada um. Em volta da gente, gente que aparentava outra coisa que não a nossa conversa.

Era um sábado de carnaval e ela me perguntava o que estava acontecendo, porque estava acontecendo algo e eu apenas negava, dizia que não, que eu era aquele cara mesmo e pombas, eu sou esse cara mesmo. Eu menos do que mentia, omitia, e omitia não por maldade, mas por preguiça. Omitia que estava cansado dela, de cada palavra que ela emitia dependendo da ocasião, do tom de voz, da roupa que ela usava. E era um cansaço absoluto. Se ele se manifestasse, tudo em volta desaparecia e só havia então a presença daquela mulher e o meu cansaço por estarmos juntos, eu não poderia simplesmente dizer “Chega, tchau” e partir. Quero dizer, eu acho que seria errado partir ou desaparecer.

Era um sábado de carnaval e eu mantinha a calma diante dela, que me cobrava uma resposta melhor, mais elaborada – justamente aquilo que eu não queria começar a fazer. Um dia tinha havido o amor e o tesão e o futuro mas agora, só havia aquele fastio e algum rancor, que ela disfarçava bem até então. Até então.

Era um sábado de carnaval e ela finalmente me disse: “seu desinteresse em conversar comigo é uma falta de respeito tão grande quanto seu pau mole, merda.” Seria um golpe baixo se não fosse, sabe, a mais pura verdade. Eu havia perdido tesão, interesse, respeito e vergonha. Podia passar o dia sem dirigir a palavra e quando o fazia, era algo bruto e sem pensar, como se ela fosse um obstáculo na sala de estar, um soluço encravado na garganta. (E é óbvio que ela não era.) “Essa peruca é mais verdadeira que seu amor, caralho.”

Era um sábado de carnaval e ele já não parecia mais tanto assim com um sábado de carnaval.  Eu terminaria meus dias acompanhado da minha estupidez e da minha mesquinharia. Esse trio poderia se divertir dividindo opiniões definitivas sobre livros que ninguém mais lê e programas de televisão que são ruins demais para alguém resenhar. Era o que me aguardava em definitivo, pois que ela enumerou todos os meus pecados mais capitais ao longo dos anos e que só ali, naquela mesa e ao som de música baiana de duplo sentido ela finalmente se sentiu liberta para me dizer. Ouvi calado e impassível. Apenas verdades – rancorosas e com nuances que eu já havia esquecido. Ao final, me sentia velho.

Era um sábado de carnaval quando ela, olhos nos olhos, me disse que estava tudo acabado. Tudo. Apagou meu número do celular e o escambau. “Não vou mais te importunar, você poderá ficar sozinho no teu apartamento envelhecendo, morrendo. É o que você quer, morrer. Eu quero viver ainda.” E foi embora, simples assim como essa frase, levantou e saiu dali orgulhosa de si por finalmente ter me mostrado a verdade sobre nós dois. Eu ia perguntar sobre as coisas dela – roupas, móveis, CDs, documentos – mas deixei pra lá. 

Era um sábado de carnaval.

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