terça-feira, 27 de abril de 2010

Ausência

Alice não veio. Outra vez. Não viria nunca mais, ela tinha me jurado. Ela foi bem sucinta em suas palavras que tento esquecer e não consigo, do mesmo jeito que rejeito aceitar.

"Não vamos mais nos ver, acabou", falou Alice.

Comecei a querer desafiar a verdade dos fatos no terceiro dia sem Alice. A ausência física se materializou como se ela estivesse ali perto.

Ato contínuo, pus-me de pé, calcei sapatos, uma camiseta apresentável, escovei os dentes e ganhei a rua. Caminhei firme por duas esquinas e adentrei a cafeteria onde nos conhecemos por amigos em comum. Não era a esperança do reencontro ali no mesmo local, era a praticidade: da cafeteria, era possível avistar a porta principal do edifício onde Alice trabalhava.

Alice trabalhava de uniforme, era vendedora numa loja chique, o emprego era concorrido, exigia conhecimentos de inglês e espanhol. Ela trajava terninhos e tailleurs, acho que cada vendedora tinha uma peça diferente pra vestir por semana, ou combinações de peças, algo assim. Eu adorava moças de uniforme.

Mas Alice não veio. Nem naquele dia, nem em nenhum outro. Arrisquei voltas no quarteirão em horas próximas à sua saída, à sua chegada, arrisquei voltas do prédio durante o horário comercial. Em vão.

Um dia o porteiro do edifício começou a me saudar quando eu passava diariamente, noutro, as meninas que trabalhavam no café começaram a puxar papo com o cliente cotidiano. Ninguém conhecia Alice. Só eu e eu ela não queria encontrar, não queria me ver.

Passados quatro meses, perdi a compostura e entrei na loja. Meus olhos estavam desesperados por ela. Alice estava ali, apontava a um casal um modelo de carrinho de miniatura. Alice estava ali e nunca mais repetiria meu nome, seguraria minha mão, me puxaria contra si nas noites frias.

Passei o resto do dia ali sentado. As vendedoras acabaram aceitando que eu estava ali sem oferecer perigo. Depois de uma hora, era como se eu fosse uma peça que ninguém es interessava, fora do catálogo. Alice sorriu para desconhecidos até o final do expediente e foi a única das vendedoras que não me abordou.

Não consegui mais voltar a vê-la. Era melhor me contentar a voltar a existir. Existir um pouco menos, em outras esquinas menos prováveis. Sempre à espera daquele impossível, Alice a sorrir outra vez em meu nome.

2 comentários:

Burlesca disse...

Belo, apesar de muito triste

Rosi disse...

Um texto profundamente poético. Triste, como disse Burlesca, mas lindo.
Ainda que o mais provável fosse me compadecer do infeliz personagem, senti pena dela.
Pobre Alice! Que força teve que demonstrar e sabe-se lá onde foi buscá-la para ignorar o homem com quem compartilhou momentos de sua vida.
O fim nunca é fácil, mas se torna bem mais complicado quando não é aceito por ambas as partes.