terça-feira, 17 de novembro de 2009

Cecília

"Eu queria ter a sorte de um coração tranquilo e uma casinha onde pudesse me deixar ficar à toa, vendo o sol baixar no horizonte e a neném brincar no meu colo". A neném se chama Cecília e logo estará mordendo tudo que puder. A mãe de Cecília a observa com doçura enquanto o mundo gira e as pessoas se apressam atrás de horas e ônibus que irão atrasar. A mãe de Cecília continua a sonhar em voz alta enquanto eu me sento e me permito ouvir o que ela tem a dizer.

Havia sido um longo dia e só queríamos poder aproveitar um pouco a chance de estarmos os dois inteiros. A mãe de Cecília se chama Débora. Uma dessas pessoas que a vida acaba trazendo e quando nos damos conta, percebemos que é melhor assim, que ela esteja ali, em algum lugar ao alcance de nossas palavras. Era muito bonita, Débora, muito sorridente, bastante falante, falava devagar.

No lugar do coração tranquilo havia olhos acesos e as mãos cheias de dedos e opiniões.

Ela me diz sorrindo que não se arrepende de nada, que no final a vida acaba levando a gente feito areia na praia, as areias das dunas que ela levou a filhota pra conhecer em São Luís onde Débora nasceu. Dentro do sorriso, o susto de quando se viu tão menina e prestes a ser mãe de Cecília e logo o susto sai voando pela janela feito passarinho, porque ela conta que a primeira vez que viu Cecília teve a certeza que nunca mais viria nada que pudesse ser tão bonito.

Mas se o coração fosse tranquilo, talvez não houvesse Cecília e talvez ela não teria me encontrado, talvez a gente nunca estivesse na mesma sala de embarque esperando voos diferentes que atrasaram em comum. Débora me viu com um livro na mão a seu lado e quando eu olhei pra fora do livro sem querer, a pequena Cecília brincava de andar em direção ao meu joelho. Débora comentou que gostava muito do livro, gostava muito de livros.

Reparo então que ela tem o sorriso mais bonito em muito tempo.

Dentro do coração de Débora, há muitas palavras e outro tanto de desejos. Acontece que palavras e desejos quando misturados poderiam por tudo a perder e poucos de nós nascem com o dom de entender o quanto de desejo poderia haver em cada palavra, e nesse entender e misturar a gente vai caminhando sem saber exatamente como. Ela me diz que um dia espera ser capaz de entender suas palavras e seus desejos. "Contanto que se caminhe de cabeça erguida, vale a pena", ela conclui.

O sorriso de novo. E a voz anunciando o voo das duas, mãe e filha. Logo ambas partem e eu, bobo, fico ali, sentado, livro na mão, olhos no ar.

Perdido naquela brisa de palavras e desejos.

2 comentários:

Rosi disse...

Os últimos posts estão muito lindos. Nem parecem fazer parte desse blog, tamanha sensibilidade demonstrada! Hahahahahahaha

Anônimo disse...
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