terça-feira, 18 de novembro de 2008

Dançando no escuro

Meus olhos pareciam dizer que não mas ela fez com o corpo que sim, que era claro que sim. Fez que sim com olhos que se demoravam a abrir e a negar, ou fugir. Fez que sim através da pele que se mostrava em frestas dentro do quarto escuro ao ser atingida pela luz de fora que vazava de quando em quando por entre as persianas. Fez que sim no silêncio, que ela se misturava àquela quase ausência de luz e sons como se infiltrasse no ambiente e então me abrigasse.

Fumaça, ela se esguiava sobre mim a procurar meus orifícios, fugindo das frestas de luz e evitando ruídos. Do outro lado, havia uma sala e nela os convidados da festa, ruidosos, iluminados, à mercê de generosas porções de comida e bebida. Aquele quarto anônimo eu não sabia de quem era, para ali ela se deixou levar e uma vez ali quis me levar além. Talvez ela houvesse percebido que eu já estava etéreo o suficiente para mergulhar naquele breu em suas ondas - talvez ela já planejasse tudo desde o início e só aguardou a hora do bote.

Havia então a névoa que me nublava internamente e ela, que dizia sim, parecia ver tão claramente o que eu julgava apenas vazio e parecia preencher aquele espaço impossível. Eu queria luz e chão, queria o mundo de volta e as coisas todas dentro dele, talvez com uma pequena parte delas eu me reencontrasse novamente e poderia tentar chegar em casa, cair na minha cama, me afogar em mim mesmo e deixar o tempo decidir se eu era merecedor de acordar no dia seguinte. Mas, naquele quarto, minha realidade se resumia a ela dançando no escuro que me tornava.

Ela então se mostrou, olhos abertos, um fiapo de luz lhe alcançava o rosto e via o que parecia ser um olho aberto que me fitava e não se mostrava disposto a tergiversações. Calculei meus passos para não desperdiçar um deles em falso e sumir dentro daquela escuridão de morte e fui me aproximando de seu olhar e logo deu pra perceber sua respiração e então veio o perfume e logo era o hálito e o calor me alcançou e descobri olhos e veio a boca e nela dentes, uma infusão de saliva, um deslizar de língua.

Uma vez nela, fiz-me também silêncio e breu. Alguns dos convidados do outro lado, mesmo iluminados, já não se viam capazes e achar as próprias pernas.

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