quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Final de festa

Estavam os três em silêncio naquele dia 1º de janeiro, a tarde quase noite, a praça deserta e suja. São Paulo vazia sob um céu azul quase anil e o trio em suspensão rondando a Roosevelt, olhos de ressaca. Volta e meia Ana, a falante do grupo, comentava algo para não deixar a mudez tomar conta do caminho.

Olavo era o homem, ex-marido de Dinalva, que era escritora e estava de passagens compradas para uma temporada em Berlim. Olavo era fotógrafo, Ana queria ser atriz. Olavo caminhava alguns metros adiante, a cabeça baixa, as mãos nos bolsos, uma ansiedade por conta da falta de cigarros e locais abertos onde comprá-los. Olavo era dez anos mais velho que Ana e cinco mais velho que Dinalva. Olavo amava aquelas duas mulheres e sabia disso, mas não sabia como amar.

Ana e Dinalva se conheceram nas vésperas do ano novo. Olavo convidou um pequeno grupo de amigos até seu apartamento nas proximidades do Copan. Ana e Dinalva estavam entre os convidados e permaneceram com Olavo mesmo após o ano começar e as pessoas saírem do apartamento para a rua, outras festas, outros amigos. Havia cerveja na geladeira, havia até duas inacreditáveis garrafas de Martini Dry.

Dinalva descobriu que Olavo havia feito as mesmas cagadas com Ana, o mesmo tipo de mentira que resultaram nas mesmas respostas covardes. Ana lhe disse que só havia ido porque precisava ver com seus olhos se aquele homem havia mudado alguma coisa, porque havia tanto amor e cumplicidade que quando romperam Olavo se mudou de São Paulo e foi viver dois anos no litoral, em Santos. Dinalva não falou nada, mas se ressentiu. Ao terminarem seu casamento, apenas quatro anos antes de Olavo e Ana terminarem, o ex-marido apenas teve uma fase de três meses puteando e bebendo feito adolescente (segundo ela apurou, puteando mais que bebendo, chegando a comer uma prima sua e duas amigas que vinham de antes da faculdade).

Dinalva perguntou se ele havia mudado, mesmo sabendo a resposta. Olavo permanecia aquele homem capaz de encantar e mentir. Ana confirmou. Então Dinalva explicou que havia ido para se despedir, porque iria lecionar literatura brasileira em Berlim, sem data e sem desejo de retornar em breve. Não queria partir sem ver Olavo, o homem que havia registrado num clique um brilho de seus olhos que ela nunca desconfiara possuir. Foi naquela foto enviada de presente com moldura que nasceu o amor - Olavo havia sido contratado pela editora para fazer o boneco da autora que iria na orelha do livro de estreia de Dinalva.

Olavo estava alegre, expansivo, provavelmente alcoolizado. Vestia branco, sandálias, camiseta, calça e cueca. Tinha a barba feita e o cabelo cortado rente. As duas mulheres o acharam bonito, mais magro. Após a virada, ele se aproximou de ambas com o sorriso do conquistador. Achava encantador - e usou essa palavra exatamente - que elas estivessem ali, omitindo que o encanto vinha de suas duas ex-mulheres mais notáveis na sua sala de estar conversando entre si. O apartamento foi se esvaziando e no final havia os três e a atual namorada de Olavo, que já ronronava num sofá desde os fogos e os espumantes.

Ele então se levantou e foi até a cozinha, voltando com as garrafas de Martini Dry num balde cheio de gelo e um trio de taças de plástico amarelo-limão. Dinalva contou que estava indo embora, talvez em definitivo, dali a dois dias. Ana omitiu que sua menstruação já deveria ter descido havia duas semanas e que o provável pai era um homem casado e avô. Olavo disse que sentia saudades de ambas, como se fosse possível dizer ao mesmo tempo às duas as palavras falhavam em particular.

A confissão de Olavo gerou um incômodo na forma de silêncio que durou quase um minuto inteiro. "Você é um filho da puta, mesmo", Ana verbalizou e quebrou o silêncio. Havia uma mágoa sincera naquela frase, no olhar, nas mãos de Ana que embruteceram e cerraram-se. Dinalva riu e Olavo seguiu o riso, idiotas. Ana foi desarmada e riu, sem entender como. O riso levou ao contato físico, Olavo era um sacana e Dinalva gostava daquilo, dele ser um filho da puta. Dinalva percebeu como ele enchia as taças e as fazia sorrir, percebeu a intenção quando ele trouxe um baseado para a conversa, percebeu a mão dele alcançando suas pernas enquanto a boca já estava nos lábios de Ana.

Acordaram em separado, primeiro a namoradinha que achou o trio nu à sua frente, se vestiu chorando e não teve coragem de acordar Olavo. Ana despertou com o bater da porta. Achou engraçada a cena, apesar de estar chocada. Vestiu o vestido de festa e saiu à cata de água filtrada. Ficou observando os dois dormindo no meio daquela sala, ambos nus. Gostava de saber que pertencia àquele quadro.

Olavo abriu os olhos e demorou a perceber onde havia chegado, e então sorriu, porque lembrava. Ana chupava os peitos de Dinalva ao mesmo tempo que segurava firme a ereção de Olavo. Dinalva se punha de quatro e Ana lhe abria as nádegas com as mãos para Olavo meter. Dinalva implorando pra meter a língua e chupar o gozo de Olavo da buceta da outra. Ana voltou com mais um copo d'água e Olavo lhe deu bom dia.

Dinalva dormiu mais. Acordou com Olavo e Ana já vestidos, de banho tomado, fumando na janela. A cidade estava deserta lá embaixo. Tinha a lembrança e agora um arrependimento. Como se deixara levar tão facilmente outra vez por aquele homem? Chorou no banho. Não lembrava que havia gozado de uma forma que apenas a sós com o ex-marido nunca havia feito. Talvez não quisesse lembrar. O cigarro tinha acabado, saíram os três para tentar achar um lugar aberto, tomar um café, qualquer coisa que servisse como café depois de cinco da tarde.

Andaram em torno da praça. Veio um mendigo e ele gritava para a rua que ninguém mais era dono da Rúsvel, só ele era dono da Rúsvel. O mendigo tinha um cigarro aceso que Olavo quase filou. Ali pela altura da Augusta, uma padaria estava miraculosamente aberta. Sentaram-se e cada um pediu uma coca. Olavo conseguiu os cigarros. Ana repetiu que ele era um filho da puta, dessa vez quase resignada. Dinalva então suspirou, "sim, mas o melhor filho da puta que eu amei".

Por outro breve instante, o silêncio. Então veio da rua uma senhora que se sentou no balcão e pediu uma cerveja. Aos poucos, o ano iria começando. Dinalva se despediu e foi embora. Ana e Olavo ficaram a sós, ele tentando sorrir. Ela então disse que estava grávida e triste que não era dele.

Ele, então, disse que não tinha problema. Que eles poderiam tentar, que seria diferente, melhor. Ela queria acreditar naquelas palavras. Amava aquele filho da puta. Dormiram juntos naquela noite.

E então, pela manhã, Ana acordou menstruada.

3 comentários:

Amanda Mantovani disse...

um homem capaz de encantar e mentir MERECE dois amores.

Migh Danae disse...

O blog mudou: www.palavradecor.blogspot.com

Rosi disse...

Mto bom. Aliás, mto bom o texto e o comentário da Amanda! Hahahahaha